Terça, 06 Agosto 2024 17:12

 

 

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para que os docentes manifestem suas posições pessoais, por meio de artigos de opinião.
Os textos publicados nessa seção, portanto, não são análises da Adufmat-Ssind.
 
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Prof. Danilo de Souza*
 

 

            A ideia de transição energética que vem sendo construída, como processo crucial para mitigar as mudanças climáticas, depende fortemente de minerais estratégicos, entre os quais o cobre tem importância vital. Sua relevância é evidenciada pelo seu papel fundamental em diversas aplicações.
            De forma particular, o cobre exerce uma função importante em instalações elétricas de baixa tensão, devido à sua excepcional condutividade elétrica, superando o alumínio em cerca de 40% e ficando atrás apenas da prata. Além disso, suas propriedades, como alta maleabilidade, excelente ductilidade, grande durabilidade e alta resistência à corrosão, e custo acessível (quando comparado à prata) o tornam  indispensável em várias indústrias de transformação.
            Conforme ilustrado, o cobre é um elemento crítico para muitas tecnologias de energia que podem ser consideradas menos impactantes quando analisado o ciclo de vida. Em especial, ele tem uma importância alta para redes elétricas, veículos elétricos e sistemas de armazenamento de baterias, e uma relevância moderada para tecnologias como energia solar fotovoltaica, eólica e hidroelétrica. A diversidade de aplicações e a alta demanda para tecnologias emergentes reforçam ainda mais a sua importância. Dessa forma, esse metal torna-se essencial para a implementação e expansão das infraestruturas de produção/conversão de sistemas energéticos e os seus finais, sendo fundamental na transição energética para sistemas de baixo carbono.

            Vale lembrar que o cobre também está presente em tubos de condução de água, sistemas de aquecimento, refrigeração, telhas e placas da construção civil. Além disso, é amplamente utilizado explorando sua capacidade de condução eficiente de calor, reduzindo as perdas e contribuindo para eficiência energética de sistemas térmicos.
            Destaca-se ainda como matéria-prima essencial em diversas indústrias de transformação, sendo utilizado na fabricação de panelas, tubulações para aparelhos de ar-condicionado, encanamentos, estátuas, medalhas, adornos, eletroímãs, magnetrons de micro-ondas, motores elétricos, transformadores elétricos, interruptores e relés, tubos de vácuo e na cunhagem de moedas, entre outros. Por essa razão, a  previsão é que a demanda pelo metal aumentará entre 24% e 45% até 2040.​
            No contexto residencial, a eletrificação das coisas está transformando diversos aspectos do cotidiano, aumentando significativamente o uso de cobre. Sistemas de aquecimento, ventilação e ar-condicionado (HVAC) estão cada vez mais adotando tecnologias elétricas mais eficientes, como as bombas de calor elétricas, que utilizam cobre em seus sistemas de tubulação e unidades de condensação devido à sua excelente condutividade térmica e elétrica. Eletrodomésticos modernos, como geladeiras, máquinas de lavar, fornos elétricos e secadoras, dependem fortemente de componentes de cobre em seus motores elétricos, e o aumento da eficiência desses equipamentos passa pelo incremento da massa de cobre nos condutores internos. A instalação de painéis solares em residências também está se tornando mais comum, e o cobre é amplamente utilizado nos seus cabos e sistemas de conexão, facilitando a transmissão eficiente de energia solar gerada para uso doméstico.

 

            Adicionalmente, o cobre é um componente essêncial em ligas metálicas populares, como o latão, que é uma combinação de cobre e zinco, e o bronze, que é composto de cobre e estanho.  Existem evidências de que o cobre foi o primeiro metal trabalhado pelo Homo sapiens. A transição da Idade da Pedra Polida para a Idade do Bronze foi marcada pela substituição das ferramentas de pedra por aquelas feitas de cobre e suas ligas, dando início a um novo período histórico.
            De se notar que o cobre desempenha um papel estratégico na intensificação da industrialização. Recentemente, tornou-se um insumo essencial no avanço da mobilidade elétrica. Motores de combustão interna utilizam, em média, 25 quilos de cobre, enquanto carros híbridos utilizam cerca de 40 quilos, e veículos totalmente elétricos podem requerer até 70 quilos. Esse aumento na demanda motivou que o preço do minério subisse drasticamente nos últimos anos, passando de 4,4 USD/kg em março de 2020 para 11 USD/kg em março de 2022.
            No mesmo período, o dólar também se valorizou, subindo de R$ 4,8 para R$ 5,4, e nos últimos 20 anos, a moeda norte-americana teve um incremento de mais de 300% em relação ao real. Esse cenário resultou em um aumento significativo do preço do cobre no mercado brasileiro, que passou de R$ 28.000,00/tonelada para R$ 52.000,00/tonelada. Esse fator contribuiu para a alta nos casos de furto do metal, que tem crescido nos últimos anos.
            Historicamente, o Chile tem sido o maior produtor de cobre do mundo, representando cerca de 30% da produção global. Apesar de sua proximidade geográfica com o Brasil, o Chile tem a China como seu principal mercado consumidor. Isso se deve não apenas ao voraz apetite chinês por commodities, mas também à rota marítima facilitada pelo Oceano Pacífico.

 

            O "Corredor Minero" é uma importante região de mineração no Peru, conhecida por concentrar diversas operações de extração de minerais, especialmente cobre. Existem graves denúncias de violações de direitos humanos e impactos ambientais severos associados à mineração na região. As comunidades locais têm sofrido com a contaminação de recursos hídricos, além de enfrentarem conflitos com empresas mineradoras devido à falta de consulta e compensação considerada justa.
            A extração e o processamento do cobre requerem grandes volumes de água, o que se torna um problema crítico em regiões áridas e semiáridas onde muitas das minas estão localizadas, como no Chile e no Peru. Além disso, a diminuição da qualidade do minério de cobre implica a necessidade de processar maiores volumes de rocha para obter a mesma quantidade de metal, o que aumenta a geração de resíduos e eleva o consumo de energia e as emissões de gases de efeito estufa. A gestão inadequada de resíduos, incluindo a contenção de elementos perigosos como o arsênio, pode causar contaminação de solo e água, afetando negativamente as comunidades locais e os ecossistemas.
            O processo de descoberta e implementação de novas jazidas de cobre é geralmente lento, podendo levar mais de uma década, especialmente em grandes minerações. Esse período inclui pesquisa geológica, identificação e estruturação da jazida. Mesmo com a descoberta de boas jazidas, tornar um local produtivo pode demorar anos. Tem-se como exemplo o caso de Aripuanã-MT, onde um depósito de cobre conhecido desde a década de 1990 só agora está entrando em operação. Além disso, há o desafio geológico da escassez de depósitos naturais de cobre, pois os superdepósitos estão se esgotando e os novos geralmente têm menor teor de cobre e são menores, aumentando o custo de extração.
            Paradoxalmente, o cobre é encontrado em alguns dos países de média e baixa renda, menos industrializados, que, no entanto, estão entre os mais vulneráveis às mudanças climáticas. Nações como a República Democrática do Congo e a Zâmbia, que possuem significativas reservas de cobre, enfrentam desafios econômicos e sociais profundos, agravados pelos impactos ambientais e climáticos, como secas e inundações. Além disso, a alta concentração de atividades de mineração em áreas ecologicamente sensíveis eleva o risco de degradação ambiental, intensificando ainda mais os efeitos adversos das mudanças climáticas nessas regiões.
            Nesse contexto, o papel estratégico do cobre na transição energética é inegável, destacando-se como um mineral necessário para a ampliação dos sistemas de baixo carbono. Sua ampla aplicação, que abrange desde a infraestrutura elétrica até veículos elétricos, reflete sua importância em diversas indústrias. A crescente demanda por cobre, impulsionada pelo avanço tecnológico, também evidencia a necessidade de se compreenderem os desafios ambientais e geopolíticos relacionados à sua extração e processamento.


*Danilo de Souza é professor na FAET/UFMT e pesquisador no NIEPE/FE/UFMT e no Instituto de Energia e Ambiente IEE/USP.

 

Terça, 25 Junho 2024 14:41

 

 

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Por Danilo de Souza*

 
Nesta coluna, exploramos o papel crucial do lítio na transição energética. Considerado um mineral essencial para a transição energética, é utilizado principalmente fabricação de baterias, especialmente para veículos elétricos e para armazenamento estacionário de energia. Abordamos aqui o panorama da extração do lítio no Brasil, onde o mineral é encontrado em áreas como o Vale do Jequitinhonha, e discutimos a distribuição global das reservas, majoritariamente localizadas na China, Austrália e Chile. Além disso, são examinados os desafios ambientais e sociais relacionados à extração do lítio, bem como as características e benefícios das baterias de íon-lítio, essenciais para a evolução tecnológica e sustentabilidade energética.


 

Aproximadamente 90% do lítio mundial produzido provém da China, Austrália e Chile. A Bolívia, individualmente, possui uma das maiores reservas globais de lítio, mas enfrenta limitações de produção, tornando-se um ponto de disputa entre empresas chinesas e estadunidenses. Cerca de 75% das reservas mundiais conhecidas de lítio estão localizadas no Triângulo Andino, que abrange o Salar de Atacama, no Chile, o Salar de Uyuni, na Bolívia, e as Salinas Grandes, na Argentina.

No caso brasileiro, pode ser extraído de espodumênio em áreas como o Vale do Jequitinhonha e a província de Borborema, onde o mineral encontrado é de alta pureza. Além das baterias, o lítio é usado na produção de cerâmicas, vidros, lubrificantes e nas indústrias elétrica, eletrônica, farmacêutica e metalúrgica.

No Chile, a extração de lítio a partir de salinas, bombeando salmoura para a superfície, tem reduzido os níveis de água em uma região dos Andes já afetada recentemente por uma seca extrema, prejudicando a agricultura e a pecuária locais. Na China, a mineração de lítio na região de Yichun, responsável por 12% da produção mundial, foi suspensa em dezembro de 2022 devido à contaminação do rio que fornece água para várias cidades. Portugal registrou em 2022 e 2023 dezenas de protestos contra a prospecção de lítio em diversas aldeias do país.


De se destacar que as técnicas de extração de lítio de rochas, salmouras e argilas evoluíram pouco desde o século passado, e ainda dependem de processos mecânicos e químicos caros que demandam grandes quantidades de energia e água. Para extrair lítio, os minérios rochosos precisam ser aquecidos a até 1.100 °C e, em seguida, tratados com ácido a 250 °C. Depois, passam por seis reações químicas adicionais que requerem mais calor, reagentes e água. Dependendo da matéria-prima, a produção de uma tonelada de lítio consome 70 mil litros de água e emite entre 3 e 17 toneladas de dióxido de carbono – de 2 a 11 vezes mais do que a produção de uma tonelada de aço. Além disso, produz os resíduos do processamento acumulados em lagoas de evaporação, que contêm metais pesados como arsênio, tálio e cromo, bem como urânio e tório, que são elementos radioativos naturais encontrados nos minérios de lítio.

Em usos de armazenamento de energia, o lítio é fundamental para a produção da bateria de íon lítio, as atuais no mercado, que conseguem armazenar a maior quantidade de energia em um menor volume. O que nos faz voltar mais uma vez nesta coluna à noção-chave desta nossa trajetória – a densidade energética.

As baterias de íon-lítio se destacam em várias características cruciais. Com alta densidade energética, elas armazenam mais energia por unidade de volume e peso, prolongando o tempo de uso entre recargas e permitindo designs mais compactos e leves. Elas também possuem um ciclo de vida longo, oferecendo mais ciclos de carga e descarga antes de uma queda significativa na capacidade, o que resulta em maior durabilidade e economia.

Atualmente existe um esforço de pesquisa para mitigar os riscos de incêndio e explosão das baterias de íon de lítio. As taxas rápidas de carga e descarga dessas baterias são ideais para veículos elétricos e dispositivos que demandam alta potência instantânea. Além disso, elas têm alta eficiência energética, perdendo menos energia em forma de calor, e operam eficientemente em uma ampla faixa de temperaturas. A baixa taxa de autodescarga é especialmente útil para dispositivos de backup e armazenamento de energia, enquanto o custo, embora ainda significativo, tem diminuído com o avanço da tecnologia.


O Gráfico de Ragone é uma ferramenta importante para comparar o desempenho de diferentes tecnologias de armazenamento de energia, plotando a densidade de energia versus a densidade de potência. Este gráfico ilustra como as baterias de íon-lítio se destacam ao oferecer uma combinação excepcional de alta densidade energética e densidade de potência. Enquanto algumas tecnologias de armazenamento, como as baterias de chumbo-ácido, podem fornecer alta densidade de potência, elas falham em densidade energética, resultando em menor duração. As baterias de íon-lítio, por outro lado, equilibram eficientemente ambos os aspectos, proporcionando longa duração e capacidade de fornecer energia rapidamente quando necessário. Isso as torna ideais para uma ampla gama de aplicações, desde dispositivos eletrônicos portáteis, dos quais esta sociedade é cada vez mais dependente, até veículos elétricos e sistemas de armazenamento de energia em larga escala no contexto da tentativa de transição das fontes de estoque (carvão, petróleo e gás), para as fontes de fluxo que são intermitentes (eólica, solar, etc.) e, em alguns casos, precisam de complementariedade pelo armazenamento.

Assim, embora o lítio seja um elemento vital para a transição energética, impulsionando avanços significativos na tecnologia de baterias e contribuindo para a sustentabilidade, é essencial refletir criticamente sobre os desafios e impactos associados à sua extração e uso. A transição energética não é um caminho simples; continuamos a depender de minerais estratégicos como o lítio, cuja distribuição na crosta terrestre é desigual. Essa desigualdade perpetua questões geopolíticas complexas, já que poucos países controlam a maior parte das reservas globais, o que pode levar a tensões e disputas econômicas e políticas. Além disso, a exploração do lítio enfrenta questões ambientais e sociais significativas, como a possibilidade de degradação dos recursos hídricos, a contaminação ambiental e os conflitos locais. A dependência de técnicas de extração intensivas em energia e água levanta preocupações sobre a sustentabilidade a longo prazo desse mineral, e a necessidade de desenvolvimento de rotas de reciclagem eficientes. Portanto, é imperativo também que nos empenhemos em desenvolver métodos de extração e processamento eficientes e menos impactantes, e em explorar alternativas que possam mitigar os impactos negativos. A reflexão sobre esses aspectos, analisando todo o ciclo de vida das tecnologias, deve guiar as políticas e investimentos futuros, atuando no sentido da redução da dependência dos fósseis.



*Danilo de Souza é professor na FAET/UFMT e pesquisador no NIEPE/FE/UFMT e no Instituto de Energia e Ambiente IEE/USP.

Terça, 07 Maio 2024 09:12

 

 

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Por Danilo de Souza*

 No cenário atual de discussões acerca da transição energética, os recursos eólicos aparecem com destaque dentre as possibilidades viáveis de complementariedade para produção de eletricidade. A apropriação da energia dos ventos é caracterizada por sua natureza intermitente o que coloca desafios à sua adoção, diferentemente das tradicionais fontes disponíveis de resevas naturais (carvão, gás, petróleo). Para complementar os sistemas de geração de energia elétrica existentes, a energia eólica se apresenta como um vetor importante, sendo considerada promissora no processo de transição energética global, pois utiliza o vento — um recurso natural inesgotável e amplamente disponível — para gerar eletricidade sem emitir gases de efeito estufa.

Atualmente, a integração da energia eólica nas redes elétricas tem se mostrado viável devido a avanços tecnológicos que permitem uma operação mais estável e eficiente. Esses avanços tecnológicos dos sistemas de armazenamento de energia (baterias) e melhorias na previsão meteorológica, tem facilitado a gestão da variabilidade natural da produção de energia eólica.


A principal tecnologia usada para geração de energia eólica são os geradores de imãs permanentes. O elemento químico neodímio é crucial para a fabricação dos ímãs permanentes empregados nos geradores eólicos devido à sua habilidade em manter fortes campos magnéticos, aumentando a eficiência na conversão da energia cinética do vento em eletricidade.


 Ressalta-se que o setor industrial depende fortemente de eletricidade, abrangendo uma ampla variedade de aplicações, como motores elétricos (para movimento de fluidos, processamento de materiais, manuseio, compressores de ar, refrigeração e operações auxiliares de caldeiras), aquecimento e iluminação. Em 2021, os sistemas de motores elétricos representavam cerca de 70% da demanda por eletricidade no setor industrial. Portanto, é crucial implementar estratégias para melhorar a eficiência energética desses sistemas. Além de contribuir para uma indústria mais competitiva, essa abordagem pode reduzir a demanda de eletricidade na rede, aumentando assim a capacidade disponível e oferecendo uma alternativa à criação de novas infraestruturas, que são caras e demandam tempo para implantação.


Os Motores de Indução de Gaiola de Esquilo (MIT), que representam mais de 95% de todas as aplicações de acionamento no setor industrial, apresentam perdas significativas inerentes no seu rotor. Com objetivo de aprimoramento da eficiência dos MIT forma criados índices de eficiência energética adotados em diversos países e no Brasil; estes índices iniciam no numeral 1 e à medida que se alcança a eficiência esperada cria-se um novo índice. Portanto, alcançar o nível de eficiência IE5 é um desafio. Reconhecendo essa limitação dos MITs tradicionais, os Motores Síncronos de Ímãs Permanentes (MSIP) surgiram como alternativas viáveis, oferecendo a possibilidade de aumentar significativamente a eficiência energética e alcançar potencialmente o nível de eficiência IE5, e mais recentemente, IE6. Os MSIP não apresentam perdas de energia no rotor, o que aumenta significativamente a eficiência energética, devido aos ímãs permanentes feitos de neodímio, ferro e boro (NdFeB) em seus rotores.


Nesse sentido, outro uso final de energia em que os motores elétricos são fundamentais, é na mobilidade elétrica. Os motores elétricos de carros podem ser de diversos tipos, mas, os motores de ímãs, produzidos principalmente a partir de neodímio, representam uma parcela significativa do mercado de veículos elétricos. Aproximadamente 90% dos motores de carros elétricos de hoje utilizam ímãs de neodímio devido à maior densidade de potência, reduzindo assim o seu volume, o que é essencial para os requisitos de espaço e peso dos veículos elétricos.


Nos três casos citados: i) aerogeradores; ii) motores elétricos para mobilidade; e iii) indústria (força motriz estacionária), a função dos ímãs permanentes é a mesma: produzir campo magnético de elevada intensidade, a partir do menor volume de material fonte. E nesse sentido, o gráfico mostra que o Neodímio-Ferro-Boro [NdFeB] apresenta produto energético de 60 Mega-Gauss Oersteds (MGOe), sendo o seu melhor concorrente o Samário-Cobalto [SmCo], que com o mesmo volume de material produz praticamente a metade do campo produzido pelo NdFeB.


Destaca-se que as barras na parte superior esquerda da figura indicam de forma visual o volume de material necessário para produzir a mesma intensidade de campo magnético.


Outras observações relevantes sobre a disponibilidade, acesso, uso e descarte de ímãs permanentes que utilizam neodímio são fundamentais, tanto para a indústria quanto para a formulação de estratégias de desenvolvimento regionais e globais. A produção dos ímãs permanentes causa impactos ambientais significativos ao longo do tempo. As etapas de extração e processamento desses minerais são intensivas em energia e resultam em altas emissões de gases de efeito estufa, além de perturbarem os ecossistemas locais com problemas como erosão do solo, contaminação da água e destruição de habitats naturais.


Além destes impactos ambientais, a falta de rotas de reciclagem ou possibilidades de reuso para os imãs permanentes de terras raras pioram significativamente a sua pegada ecológica. Questões de natureza técnica também são fatores importantes a serem analisados. A temperatura de Curie pode ser facilmente superada por alguma condição adversa na utilização do motor, por exemplo. Pulsos de corrente elevada também podem levar à desmagnetização dos imãs, como por exemplo, em um eventual curto-circuito interno na máquina. Estes casos podem levar, a inutilização da máquina com elevados custos de reposição.


Um outro aspecto bastante relevante é a concentração da produção de imãs de terras raras na China, que detém cerca de 90% da capacidade de produção global. Deste modo, existe uma tensão geopolítica sobretudo no ocidente, acerca da dependência chinesa nesse aspecto. Já no início da década passada a China impôs sobretaxas à exportação dos imãs de NeFeB buscando o estímulo à exportação de máquinas prontas, o que é interessante para a economia doméstica chinesa. Essa situação ensejou uma resposta dos países ocidentais que procuraram estimular a pesquisa de máquinas elétricas de alta eficiência que não usem imãs de terras raras. Pode-se destacar ações da União Européia, do Japão e dos Estados Unidos, na busca por motores elétricos de alta eficiência “livre” de metais de terras-raras.


No Brasil, foram mapeados grandes depósitos de minerais de terras-raras em locais como Araxá-MG, Serra Verde-GO, Catalão-GO e Pitinga-AM. As ocorrências brasileiras de terras-raras são predominantemente de monazita, que contém uma alta concentração de terras-raras leves, como neodímio e praseodímio, enquanto em Pitinga-AM se encontram quantidades maiores de terras-raras pesadas, como o disprósio. Essas descobertas são importantes para o desenvolvimento de políticas e estratégias que possam mitigar os impactos negativos e maximizar os benefícios da exploração desses recursos.


Dessa forma, a transição energética para fontes e usos finais mais sustentáveis é um processo complexo, demorado e desafiador, entrelaçado com questões geopolíticas profundas que se assemelham às dinâmicas observadas nos mercados de produtores de petróleo. Essa transição não apenas depende da disponibilidade de questões tecnológicas, mas do desenvolvimento de infraestruturas adequadas, e está profundamente influenciada pelas relações políticas e econômicas globais, especialmente em relação aos países detentores das terras-raras.

 

*Danilo de Souza é professor na FAET/UFMT e pesquisador no NIEPE/FE/UFMT e no Instituto de Energia e Ambiente IEE/USP. E-mail: O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.

Terça, 09 Abril 2024 16:09

 

 

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Danilo de Souza*


A prática de compra de produtos pela internet (e-commerce) tornou-se rotineira no mundo globalizado. Atualmente, a China tem se destacado na liderança das vendas desse tipo de comércio, representando mais de 50% de toda a comercialização no varejo em todo o mundo.

Não só o e-commerce, mas aproximadamente 80% das mercadorias comercializadas globalmente são transportadas em navios. Esse transporte representa, atualmente, cerca de 14% das emissões anuais (incluindo gases não-CO2) e aproximadamente um quarto das emissões de CO2 provenientes da queima de óleo diesel.  Então, quais são os maiores desafios para descarbonizar o transporte marítimo?

Tendo em vista que a eletrificação dos meios de transporte terrestres surge como a melhor forma de descarbonização do setor, uma pergunta quase óbvia emerge em um primeiro momento: por que não adotamos navios contêineres elétricos? A ideia parece promissora à primeira vista, especialmente quando consideramos os avanços significativos alcançados em outros meios de transporte, como trens, metrôs, ônibus e carros. A expectativa cresceu ainda mais desde que o Yara Birkeland lançou um navio autônomo de porta-contêineres de mesmo nome, com capacidade para 1,7 mil toneladas, especializado no transporte de fertilizantes, navegando entre os portos noruegueses de Herøya e Brevik. O Yara Birkeland, além de ser o primeiro navio contêiner elétrico do mundo, também pode ser considerado o primeiro veículo comercial autônomo nesta modalidade.


      

Contudo, esse navio contêiner elétrico ainda possui uma série de limitações. Por exemplo, os navios de carga médios tradicionais podem carregar mais de 290 mil toneladas, cruzando os oceanos com velocidades de aproximadamente 28 km/h, enquanto o Yara Birkeland viaja a 11 km/h.

Avançando para a matemática da questão nos deparamos com números ainda mais desanimadores. Os modernos navios a diesel, em uma única viagem transcontinental, consomem uma quantidade de combustível que carrega uma densidade energética quase 40 vezes maior do que as melhores baterias de lítio disponíveis hoje. Para um navio elétrico cobrir a mesma distância com a mesma carga, ele precisaria transportar uma quantidade de baterias que ocuparia uma parcela significativa de sua capacidade de carga, tornando a operação economicamente inviável.

Essa realidade nos leva a uma conclusão inescapável: para que os navios elétricos possam competir de igual para igual com os gigantes a diesel de hoje, precisamos de uma revolução tecnológica nas baterias que as torne capazes de armazenar energia numa densidade mais de dez vezes superior à atual. Tal proeza, embora desejável, enfrenta o duro teste da viabilidade técnica, considerando que a densidade energética das melhores baterias comerciais que, mesmo aumentando 8x nos últimos 15 anos, apesar de todos os nossos esforços, ainda assim, estão muito longe de serem o suficiente para a navegação de carga.

Assim sendo, esse panorama nos coloca diante de um paradoxo: embora o desejo por uma indústria marítima mais limpa e sustentável seja grande, as limitações tecnológicas atuais nos obrigam a navegar com cautela rumo a esse futuro ideal. O caminho à frente exige não apenas inovação em baterias, mas também uma reconstrução das práticas e estruturas que sustentam o comércio global marítimo. À medida que buscamos soluções, o Yara Birkeland surge como um exemplo de que talvez o caminho não seja por aí.

Dessa forma, a questão continua colocada: Qual pode ser a alternativa para descarbonizar a navegação?

A ideia de navios nucleares navegando os mares do mundo não é mais uma visão restrita aos poderosos arsenais das marinhas militares (apenas submarinos, porta-aviões e alguns navios quebra-gelo possuem propulsão nuclear). Um estudo conduzido recentemente pela American Bureau of Shipping (ABS) e pela Herbert Engineering Corp. (HEC) se aprofundou na pauta da propulsão nuclear em navios comerciais.

Nesse contexto, a pesquisa explorou o impacto da implementação de reatores modernos de alta tecnologia em dois tipos de embarcações: um navio porta-contêineres de 300 mil toneladas e um petroleiro Suezmax. A descoberta de que tais embarcações, quando equipadas com propulsão nuclear, não só poderiam de baixa emissão de CO2 na etapa de uso, mas também aumentar a capacidade de carga e a velocidade operacional, ressalta o potencial transformador da tecnologia nuclear. Esses benefícios vão além das questões ambientais, abordando eficiências operacionais e reduzindo a necessidade de reabastecimento, o que pode significar uma revolução na logística marítima global.

Entretanto, o caminho para a adoção generalizada da propulsão nuclear em navios comerciais está longe de ser direto. Desafios significativos permanecem, tanto em termos de aceitação pública quanto de regulamentações. A utilização de fissão nuclear para produção de energia para usos finais, apesar de suas vantagens em termos de capacidade de geração de energia de baixa emissão, ainda enfrenta preocupações significativas relacionadas à segurança, ao tratamento de resíduos nucleares e aos custos iniciais de implementação.

Além disso, para que essa visão de navios comerciais nucleares se torne uma realidade prática, são necessários um apoio significativo do setor público e um compromisso contínuo da indústria marítima. Isso inclui não apenas investimentos em pesquisa e desenvolvimento, mas também a criação de um quadro regulatório internacional que possa acomodar a operação segura dessas embarcações em águas globais. A colaboração internacional será essencial, dadas a natureza transfronteiriça da navegação marítima e a necessidade de normas consistentes que regulem a segurança, a operação e o descarte de resíduos.


A iniciativa da ABS, reconhecida pelo Departamento de Energia dos EUA (DOE) através de contratos para investigar as barreiras à adoção da propulsão nuclear, representa um passo promissor nessa direção. A parceria com instituições acadêmicas, como a Universidade do Texas, para pesquisar a integração termoelétrica de sistemas de propulsão nuclear em embarcações comerciais é um exemplo de associação entre indústria e universidade para aumento da produtividade do trabalho que pode resultar em ganhos coletivos.

Outras soluções para redução das emissões na navegação também estão em pauta, como por exemplo, o Gás Natural (seriam emitidos entre 70% e 85% menos poluentes que a gasolina e a diesel) como combustível de transição, Hidrogênio a partir de fontes renováveis, biocombustíveis etc. Todas estas soluções possuem seus desafios intrínsecos, sendo que no caso da propulsão nuclear para a navegação, já existe uma indústria desenvolvida para fins militares.

A possibilidade de navios comerciais navegarem com baixa emissão de CO2 graças à propulsão nuclear não é apenas uma oportunidade para a indústria marítima reduzir sua pegada de carbono; é uma declaração audaciosa de compromisso com um futuro menos impactante, até o desenvolvimento de tecnologias que culminarão na fusão nuclear.

 
*Danilo de Souza é professor na FAET/UFMT e pesquisador no NIEPE/FE/UFMT e no Instituto de Energia e Ambiente IEE/USP.